Minha
cabeça dói. Eu não quero mais fazer isso, eu penso. Eu não quero mais fazer
nada. Se tivesse escolha, eu não estaria aqui. Não estaria em lugar nenhum.
Fora de alcance de tudo e de todos. Flutuando no ar como uma folha seca de
outono. Fora de mim e fora de órbita. Se a vida não fosse apenas caminhar sem
rumo, eu não viveria. Se fosse apenas respirar para que tudo voltasse a sua
perfeita ordem, se fosse apenas respirar. Mas não é simples assim. Nunca foi. Ainda
tento seguir em frente daquele jeito que dizem que é o certo, mas tenho sempre
essa sensação de que continuo errando e afundando nesse vazio. Então, desconfio
das pessoas que acham que sabem definir o mundo em duas partes. Nesse conflito
das dualidades. Bem ou mal. Certo ou errado. Triste ou alegre. Doente ou
curado. Quando se tem apenas a solidão por perto, não importa muito saber a
distinção das partes. Isso não faz diferença. Pois há tantos pensamentos por trás
dessas palavras tão pequenas. Tantas entrelinhas que me sufocam em dias
intermináveis de setembro. Tanta síntese da síntese. Não sou do tipo que gosta
muito de palavras vazias ou que dizem pouco como essas que chovem a nossa volta.
Não sei o que fazer com elas nem onde guardá-las. Mantenho distância e tomo
fôlego para prosseguir pela estrada solitária. Gosto do abstrato subterrâneo
desse oceano de frases esquecidas e apagadas. Sempre vi o mundo tão maior em
minhas lentas imaginárias. Acreditei em algo que estava sempre mais distante,
mais inalcançável como as nuvens. Estive tentando tocar o silêncio com as duas
mãos e o horizonte com meus passos lentos. Procurei respostas durante tanto
tempo na fumaça que fui perdendo meu rosto em alguma esquina perdida. Gosto do complicado, do avesso, do contrário.
Não sei quanto tempo eu parei em frente dessas pessoas estranhas a minha volta e
desejei vê-las mudas. Ausência serena de sons. Ecos paralisados. Desapareço no
meio da multidão. Pessoas que não conseguem desmembrar o silêncio, não poderiam
ter direito de voz. Eu estou em qualquer lugar nesse instante desejando ir
embora. Me obrigo a permanecer como dizem que deve ser assim, mas minha mente
me desmancha e anseia pela fuga. Quem são eles que dizem? Me calo. Paraliso os
sentidos. Fecho e abro os olhos devagar. Todas as frases que eu já falei, não
falei, mudei de lugar, trouxe de volta, desejei jogar fora estão se afastando
de mim. Fiz das palavras as peças imperfeitas de um quebra-cabeça sem imagem. Me
pergunto, até quando andaria pelas calçadas e deixaria que tantos pedaços da
minha vida ficassem pelo caminho? Jogamos até o fim e não sei mais qual é o
jogo. De nada adiantou aquela carga de palavras que costurei pela estrada por onde
seus pés costumavam caminhar. Tive que seguir em frente. Partida ao meio. Aos
trancos e barrancos. Sangrando e cauterizando as feridas na pele desses tantos
espinhos. É assim, minha cabeça fica latejando pelas horas poucas e mal
dormidas das últimas noites. Minha mente desconectada daqui. Perco a noção de
tempo e espaço pelo cansaço da vida que carrego nos ombros dia após dia.
Acumulando pensamentos cinzentos e carregados de lembranças geladas. A memória
faz de nós o que tem que fazer. Reféns de si mesmos. Preenche suas lacunas da
forma como gostaríamos de ter feito ou não ter feito, ou desistido, ou reinventado
tudo. Mas se não fossem as folhas meio rasgadas e amareladas da memória, o que
seria da vida além de respirar e caminhar sem rumo? O vazio do vazio.
domingo, 21 de outubro de 2012
domingo, 23 de setembro de 2012
23
Porque ainda não alcancei minhas próprias palavras.
''Você precisa fazer alguma coisa, as pessoas dizem Qualquer coisa, por favor, as pessoas dizem. O que não dá é pra ficar assim. Nem que seja piorar, nem que seja enlouquecer. Olho o rosto das pessoas. Tem os ossos, daí tem a parte de dentro. Tem os olhos e tem o fundo dos olhos. Da boca saem esses sons. De repente alguém encosta em mim. Pra perguntar com o quentinho da mão se estou ouvindo e entendendo. Sorrio e torço pra pessoa ir embora. Torço pra alguém chegar, só pra torcer bem pouquinho por algo. Mas daí a pessoa começa a falar e torço pra pessoa ir embora. Não tem o que fazer, não tem o que dizer, não tem o que sentir. Sou uma ferida fechada. Sou uma hemorragia estancada. Tenho medo de deixar sair uma letra ou um som e, de repente, desmoronar. Quando toca uma música bonita, minha ironia assovia mais alto. Um assovio se melodia. Um assovio mecânico mas cuidadoso, como tomar banho ou colocar meias. Outro dia tentei chorar. Outro dia tentei abraçar meu travesseiro. Não acontece nada. Eu não consigo sofrer porque sofrer seria menos do que isso que sinto. Tentei falar. Convidei uma amiga pra jantar e tentei falar. Fiquei rouca, enjoada, até que a voz foi embora. Tentei aceitar o abraço da minha amiga, mas minha mão não conseguiu tocar nas costas dela. Não consigo ficar triste porque ficar triste é menos do que eu estou. Não consigo aceitar nenhum tipo de amor porque nenhum tipo de amor me parece do tamanho do buraco que eu me tornei. Se alguém me abraçar ou me der as mãos, vai cair solitário do outro lado de mim. Se eu pudesse usar uma metáfora, diria que abriram a janela do meu peito e tudo de bom saiu voando. Era macio existir. Agora eu piso seco no chão, como um robô que invadiu um planeta que já foi habitado por humanos. Mas eu não posso usar metáforas porque seria drama, seria dor, seria amor, seria poesia, seria uma tentativa de fazer algo. E tudo isso seria menos. Não briguei mais por você, porque ter você seria muito menos do que ter você. Não te liguei mais, porque ouvir sua voz nunca mais será como ouvir a sua voz. Não te escrevo porque nada mais tem o tamanho do que eu quero dizer. Nenhum sentimento chega perto do sentimento. Nenhum ódio ou saudade ou desespero é do tamanho do que eu sinto e que não tem nome. Não sei o nome porque isso que eu sinto agora chegou antes de eu saber o que é. Acabou antes do verbo. Ficou tudo no passado antes de ser qualquer coisa. Forço um pouco e penso que o nome é morte. Me sinto morta. Sinto o mundo morto. Mas se forço um pouco mais, tentando escrever o mais verdadeiramente possível, percebo que mesmo morte é muito pouco. Eu sem nome você. Eu sem nome nós. Eu sem nome o tempo todo. Eu sem nome profundamente. Eu sem nome pra sempre.'' - Tati Bernardi
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Abstinência - Parte 2
Foi
quando meu coração começou a afundar, minha respiração ficou cada vez mais
lenta e as palavras distantes que tudo começou a fazer sentido. Um estranho
sentido, mas verdadeiro. A verdade mais pura e simples, nunca é simples e nem
pura. Pensamentos que eu havia escondido de mim surgiram na fumaça e meu corpo
começou a reagir diante dos dias incessantes, onde acordar já era um puro tormento.
Eu te desejo o melhor e um caminho em que se sinta bem. Eu te desejo o mesmo
que espero pra mim e nada além. Quero que entenda que rancor e toda mágoa, o
tempo leva embora, deixando apenas cicatrizes. Não importa a dor que cause, no
final será apenas uma marca profunda na pele que lateja em dias úmidos. É
difícil porque não se trata das pessoas do resto do mundo, mas de você. Quando
lembro que existe um muro de Berlim a nos separar, dói. Não consegui te ver em
todas as perspectivas e você não me enxergou em todos os reflexos. Às vezes,
penso que fomos íntimos estranhos e, ainda sim, conseguimos ir tão longe em nós,
onde ninguém havia chegado antes. Quando tenho que lutar, eu sei bem de todos
os pesos que carrego e que ainda irei suportar, mas ter que assistir você
vestindo essa armadura feita contra mim, às vezes, é demais. Só isso. Esqueceu
de tudo? Penso em tantas coisas mais que ainda quero encontrar. Tantas estradas
que ainda desejo percorrer além do horizonte. Pois há essa imensidão diante os
nossos olhos e é tudo o que nos resta. Alguma hora o tempo trata de curar essas
dores que os copos cheios não resolvem. A
cada dia as palavras estão mais distante de mim e próximas de uma parte que não
enxergo desse oceano de esquecimento. Não consigo definir se ainda sigo
afundando ou se estou parada no meio do caminho entre o fundo e a margem dessas
águas profundas e transparentes demais. Permaneço exatamente como não queria estar, sozinha. Mas, bem no fundo, estamos todos tão sozinhos. Todo mundo reclamando e gritando por
dentro enquanto desmanchamos o mundo com um monte de sorrisos embriagados. É o
jeito. Alguém se defende. Será? Segue os dias fora de qualquer tipo de controle. Algum
deles vai servir pra alguma coisa. Afinal de contas, durante uma vida inteira o
que vale mesmo são aqueles pequenos momentos que se pode chamar de felicidade.
A gente só descobre isso depois que eles se vão. Tudo bem, eles aparecem de novo uma hora ou outra. No fundo, ninguém quer ser pedra. Acabar se apegando aos lugares mais duros que encontra dentro do coração só porque sabe que um dia ele já foi partido por ser tão frágil quanto vidro. Sabe que todo o vidro quebra e os cacos que permanecem podem ferir qualquer um que se aproxime demais. Toma cuidado pra que isso não aconteça. Cuida pra que ninguém te torne pedra, nem vidro despedaçado.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Abstinência - Parte 1
Sei de coisas
que desejaria não saber. Não sei qual a coisa certa ou não acho que seja certa.
Tudo tem parecido tão errado ultimamente. Sem você. Essa metade de mim não
distingue ainda o que é certo e o que é errado. Eu sinto tanto e tanto parece
tão pouco agora diante de você. Não sei descrever exatamente o que sinto porque
nunca alcanço a verdadeira descrição. Tudo fica tão simplificado que chega a
ser deprimente. Não tenho parecido tão deprimida assim, eu acho. Sempre fui
muito séria e isso até você reclamava. Relaxa, não dá pra resolver as coisas
assim tão tensa. Finjo que não estou tensa e bebo. Eu não sei beber pouco,
pensar pouco, sonhar pouco. Não sei ser pouco e não sei se o que sou é muito ou
nada. Olha, passei tanto tempo pensando em você, em nós, em mim. Existe uma
hora em que todas as lamentações, mágoas, rancor vão ficando pra trás e o sol
vai nascendo bem devagar no horizonte. É possível começar a enxergar as coisas
que ainda estão por toda volta, pelo chão, pelas paredes, por todos os lugares.
Tua sombra começa a me aquecer e não mais causar tanto frio dentro de mim. Eu
só não queria que fosse assim, mas assim foi que aconteceu. Hoje, deitada ainda na cama, lembrei
de vezes que você literalmente me ferrou, me fazendo acreditar que a culpa era
minha e que o problema era eu. Sendo que você nunca fez muito esforço pra ser
alguém melhor e não digo alguém melhor pra mim e, sim, pra você mesmo. Se a
gente terminasse, eu já sabia exatamente quais seriam seus passos e veja bem,
mesmo sem qualquer informação sobre você, eu ainda sei. Eu te conheço de cima a
baixo, eu sei o que você pensa e sonha e deseja. Eu sou muito mais do que
qualquer pessoa poderia imaginar em ser por você. E eu sei que sempre vai saber
disso e não importa muito que finja que me odeia, me ignore, me despreze. Faça
como você achar melhor, mas quem te amou mesmo fui eu.
terça-feira, 7 de agosto de 2012
O mundo é mesmo um lugar cruel
Tantas vezes nós mudamos
de planos e mudamos o rumo. Nossas tentativas de descomplicar os dias e consertar as noites. Tantas vezes eu parei e você continuou andando.
Eu pensava em quando é que sentiria minha falta. Eu estive por tanto tempo caminhando
em seus passos que não sinto mais meus pés tocando o chão. Me perco na tempestade dentro de mim. Eu estive perdendo o
controle no meio do deserto da desesperança, sufocando na poeira dos nossos fracassos. Você notou
meus pesadelos entre as madrugadas do outro lado da cama ou fingiu que eu não
estava ali? Eu deitava no teu ombro e o planeta a nossa volta se apagava na
imensidão do universo. Meus gritos silenciavam e meus olhos te procuravam meio
apagados. O mundo é mesmo um lugar cruel pra nós. Acordo na cama vazia. Não
consigo ser como você é. Não consegui ser como você queria que eu fosse. Não
tenho certeza se algum dia eu fui o
bastante pra nós. Todos aqueles passos que arrisquei me trouxeram pra beira desse abismo, mas não irei me atirar do telhado essa noite. Você já
queimou tudo o que sentia sobre mim ou ainda se perde em lembranças distantes?
Mesmo afundando no mar do esquecimento, ainda enxergo teu rosto na superfície
cada vez mais longe do meu alcance. Você dizia que sabia o que era o amor, eu
dizia que te amava. Algum dia, o tempo nos levará para algum lugar onde tudo faça sentido, porque
agora estou tão perdida. Só não esqueça que ainda restam as cinzas e deixe meu coração em cima da mesa antes de sair quando a gente se encontrar, porque eu entreguei nas tuas mãos e agora estou vazia.
sábado, 7 de julho de 2012
Se você estivesse aqui
Se você estivesse aqui,
diria que estou sentindo tanto medo, tanta falta tua, tanta tristeza contida em
lágrimas que secaram dentro dos olhos antes mesmo de escorrerem pelo rosto.
Diria que sinto muito e sinto tanto e cada vez mais. Onde foi que tudo deu um
nó e onde é que foi parar o que restou do nosso amor? Pois ainda sinto tanto
medo. Vou te dizer. Meus pés vieram na direção das ruas em que você andou,
pelas esquinas que passou, pelos buracos que evitou da calçada, pelos lugares que
freqüentávamos e que agora você evita estar. Na soleira da tua porta, sobre o
tapete de boas vindas, peço que deixe as desculpas só para amanhã, porque hoje
eu irei pedir para que me deixes ficar aqui contigo. Deitar na tua cama e
esperar, encolhida entre as cobertas pesadas de inverno, pelo aconchego dos
teus braços e pelas mãos quentes envolta do meu corpo gelado e vazio. Irei fechar
as pupilas devagar e sentir de leve um beijo doce. Esperar sem pressa pela chegada
preguiçosa do sono profundo. Não te contei que as noites estão ficando mais
longas e os dias gastos e apagados. Não te contei que tudo o que desejei por
esses tempos, foi escutar o som da tua voz perto do meu ouvido enquanto segura
meu coração. Perdoa pela manhã tudo que fiz e me leva um café quente na cama,
pois não tenho tido vontade nenhuma de mover os músculos e viver. Me abraça bem
de leve e abre as janelas, pois quero enxergar os primeiros raios de sol e
apenas sentir o (re) nascer do nosso amor. Só amanhã deixa o corpo sentir o que
a razão teima em afastar e depois deixaremos o tempo passar e tomar o resto de
todas as decisões.
domingo, 24 de junho de 2012
Isso é o que chamam de amor?
Existe algum tipo de ligação química que possa conectar dois corpos separados? Essa tal reação ocorre em ambas às partes ou uma é resultado da outra?
Isso é o que chamam de amor?
Alguns minutos antes de tomar o último gole
de vinho que resta na taça e abrir a porta para jamais olhar para trás. Tudo que desejei foi apenas ficar aqui e sentar do teu lado. Mas notei os primeiros raios alaranjados
de final do dia penetrando pelos cantos da casa, entre as cortinas na janela da
sala. Existem possibilidades caindo em pancadas no teu telhado falso de cristal
e eu sei que não estou em nenhuma delas. Não fará diferença alguma se não me
enxergar mais no final da tarde, você verá. Estamos todos fora do controle e,
ainda pior, fingindo cegamente mantê-lo sobre as mãos. Pode-se manter a direção
de nossas ações, mas não do que se sente lá dentro do quarto vazio no fundo do
peito. Ações não provam palavras e palavras não provam sentimentos. Logo,
estamos todos fora de controle e as estradas a cada dia mais estreitas e
escondidas. Há um mundo de respostas bem abaixo do seu nariz e quando realmente
conseguir baixar um pouco esse seu queixo erguido, poderá observar cada uma
delas. Mas não hoje. Estive pensando em sair da cidade e me perder naquele
horizonte onde o sol sangra a cada anoitecer durante uma vida inteira. Todas as
manhãs eu demoro mais e mais minutos em frente ao espelho embaçado do banheiro,
tentando me reconhecer entre as marcas no rosto e o cansaço que não são meus.
Esse corpo que habito vai me escapando das mãos, aos poucos me afasto dessa
existência de mim que você conhece. E quando retorno ao espelho embaçado, já
não me basto mais. Descobri que guardo poucas coisas para chamar de minhas e
que mesmo estas não me são realmente necessárias. Eu costumava teimar em uma
ânsia de ter sempre mais e jamais conseguir o bastante para viver feliz,
continuando de maneira inútil as tentativas de alcançar a essência do
inexistente. Pois bem, descobri que não sou feliz e as coisas que desejei
possuir não mudaram meu estado de espírito. Eram ilusões plantadas na minha
cabeça e refletidas em meus olhos por algum tipo de vírus que agora vejo em
todos os lugares e contaminando todas as pessoas. Ilusões em vírus transmitidos
pelo oxigênio, contaminando tudo pelo mundo. Até os medos que comentei contigo
no outro dia, não sei mais se eram meus ou faziam parte dessa doença das
ilusões e que foram mantidas para justificar minhas fraquezas. E, agora,
realmente estou cansando de nunca precisar ser forte o bastante e manter esse
poço de ilusões dentro de mim. Minha mente está enferrujada pela falta de uso,
pois tudo parece tão certo e constante e longe de mim. O mundo não pode servir
apenas para girar em torno de si na monotonia eterna do universo. Não somos tão
inexpressivos assim. Sabe que o real está cada vez mais distante do imaterial. Os
objetos espalhados pelo chão da nossa vida que não significam mais nada e que
antes eram tudo que tínhamos. Você pisou nos meus sonhos essa manhã, quando
levantou para preparar o café e sequer notou que estavam ali. Não se preocupe,
não estou atrás de desculpas. Não mais. Todos os conceitos são leves demais e quando
começarem a flutuar no ar pesado de inverno, em todos os céus abertos, por cima
de todos os oceanos, você entenderá o que digo. E vai permanecer sem ação com
os braços cruzados sobre esse mesmo sofá, assistindo na TV os mesmos comerciais
enfeitados de mentiras coloridas. Eu te disse que há um oceano que divide
nossos passos e está afastando meu espírito de junto do teu. Você não estava
prestando atenção e continuou olhando para o outro lado. Me cobri com silêncio
e fechei os olhos, era tarde demais, o vírus estava em você. Eu estava só.
Apenas sabia que em algum instante perdido entre todas as ruínas e escombros
dessa história que foi gravada em pedras e dor, sentiríamos algum tipo de
reação química percorrer o corpo por inteiro quando nossos olhos se encontrassem
de novo, como agora. Isso é o que chamam de amor? Eu não sei mais. Irei
imaginar mil vezes que se ao menos tentasse pegar sua mão e te tirasse desse
lugar iria bastar para te salvar do mundo escuro que te engole, te cega, te contamina,
mas não poderia. Então isso tudo que existe entre nós, apenas existe e nada
mais. Posso imaginar que esse tal amor se tornou a minha cura para crer que
ainda existo acima de todas as respostas que não encontro ou não passa de doses
do mais puro veneno escorrendo dentro das minhas veias e artérias quando meus
olhos cruzam pelos teus. Não posso evitar essa essência e nem que eu tanto
quisesse ou me esforçasse seria o bastante para conter o seu gosto amargo quase
doce que permanece na minha boca por horas. Ondas de ignorância circulando pelo
ar abafado do final de tarde me empurram para as margens das dúvidas,
insegurança, medo quando largo a taça vazia sobre a mesa de centro da sala. Não
me permito sentir mais nada e um oceano se abre e vai crescendo incessante
entre nós. Quando a água alcança lentamente o meu quarto vazio no peito é que
tomo consciência de que nunca soube das dimensões de nossos sonhos e das grades
que estão aprisionando nossas almas enquanto por tanto tempo acreditávamos ser
livres para voar no estranho universo emocional do amar. E cada vez que
encontro, guardada bem nas profundezas da minha mente, a imagem do teu rosto,
nessa hora eu posso até mesmo tocá-lo. Mas eu não toco. Sabemos que teu sangue
está contaminado com o vírus das ilusões e que minhas palavras não te afetam de
nenhuma forma. Eu não estou mais em você como você está em mim. Isso é o que
chamam de amor? Descubro que você não irá me impedir e abro a porta devagar. O
amor não é o bastante. Saio da sua vida sem deixar muitas marcas e você se
afasta da minha sem muitas palavras. Olho para o horizonte onde o sol sangra em
cada entardecer e sigo em frente.
quinta-feira, 31 de maio de 2012
Vadia
Eu
amo uma vadia.
Eu amo
uma donzela.
Amo
seus espinhos.
E
cada uma de suas pétalas.
Amo
sua força,
Sua
beleza e sua luta.
Amo
sua esperança,
Seu
colo de segurança absoluta.
Amo
sua coragem,
Seus
medos e suas cicatrizes.
Amo
seus suspiros,
Todos
os seus gritos e seus fetiches.
Amo
seus sonhos,
Caminhando
rumo à liberdade.
Amo
suas palavras:
-
Nada mais nos prende. Nem nos oprime. Nem nos invade!
domingo, 11 de março de 2012
Quem te ensinou a fechar os olhos?
Preciso de
uma palavra que me escapa como borboletas soltas no ar. Está em todo lugar e em
lugar algum e tudo que sinto é que preciso saber que ela realmente existe e
estará lá me esperando. Aqui é distante demais e espero o dia em que eu puder
vê-la e me atirar em seus braços para nunca mais voltar a este caótico
labirinto de concreto. Eu poderei te mostrar todos os mundos perdidos que você
atirou no mar do viver em troca desse caminho de asfalto coberto de placas em
que estão suas pegadas. Estou cruzando todas as milhas que conheço e cada
minuto mais rápido para fugir depois que percebi este mundo escapando entre
meus dedos e nada a ser feito, pois o céu já estava em pedaços quando o deixei
para trás. Você não viu? Noite passada eu assisti entre gritos e apelos
aflitos, a esperança morrendo e esse lugar estranho amanhecendo coberto de
fumaça e cinzas. Todo mundo está correndo tanto atrás de um tal objetivo
qualquer, não há mais para onde ir. E é devagar que o tempo vai escapando,
carregando nossas vidas em desespero, então continuo fugindo daquilo que nos
cega e sei que persiste o mesmo vazio na minha alma e na sua. Você quer tanto
que te aceitem e luta desse jeito insano todos os dias por dias melhores que
jamais chegam. Sabe que não é melhor ficar e ainda assim insiste em satisfazer
prazeres que não alcança. Ninguém faz do sentido questionamento e é
assim que as coisas são dentro de palavras que não querem dizer mais nada. O ar
desaparece e quando acordo no susto das madrugadas abandonadas é que lembro das
ideias que não são minhas e não são suas. Aquelas ideias de raízes profundas e
sem origem que nos ensinaram a levar conosco para onde quer que fossemos e
assim contagiaram o mundo. Quem te ensinou a fechar os olhos? Quem te ensinou a
esquecer de escolher teus próprios caminhos? Veja, nossos sonhos estão
desaparecendo dentro de uma ideia que não sei quem criou ou porque está entre
nós. Não posso te revelar quanto ainda irá durar a imaginação que te resta e
domina teu coração quando a pele em que habita sufoca e este lugar não
parece mais teu lar. A palavra não tem nome desde o dia em que me ensinaram
desconstruir meus pensamentos e esconder meus sentimentos atrás do muro da
ignorância. Por favor, não tenha medo quando te oferecer minha mão para te ensinar
a abrir os olhos.
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