domingo, 7 de novembro de 2010

Patos no lago

Assisto os patos assustados cruzando o lago.
Sentei ali na beira sem rumo, esperando pelos teus passos.
Ela mira o espelho quebrado, buscando em vão encontrar a si mesmo.
Por um segundo, assusta-se, mas logo desvia o olhar daquela dor e sorri de novo.
Encara por horas aquele velho rosto estranho, mas não a vê como eu a vejo.
Nada a perder. Nada a ganhar. Mata e ressuscita seus planos. Delírios em latas.
Assisto os patos reinventados cruzando o lago.
Meu mundo dentro do mundo de todo mundo.
Ela corre para fugir da chuva que não cai.
Fugindo do transito, das gotas frias, da solidão.
Nunca sabe pra onde ir quando sua alma a trai.
Poderia gritar, mas é apenas uma sombra na multidão.
Assisto os patos livres cruzando o lago.
Cada sonho teu queimando e escorrendo em minha calmaria.
Ela oculta segredos em cada uma de suas tantas inventadas vidas.
Dança diante da tristeza profunda, assim como uma bailarina de mentira.
Ela não percebeu a cores infinitas desfilando soltas no jardim lá fora.
Todas as frases banais e discursos formais não importam agora. Ela voa..
Assisto os patos confusos cruzando o lago.
Te senti percorrer lentamente cada frase vazia das velhas histórias da minha vida.
Ela tem pressa. Parece tão viva. Tão cheia de luzes claras e melodias.
A solidão antiga não marca mais, nem apaga suas pegadas.
A cidade é apenas um quadro na parede de sua casa.
Ela caminha pela calçada sem direção. O vento a guia.
Assisto os patos nômades cruzando o lago.
Acordei noite passada com teu gosto no silêncio. Mas você esteve tão longe.
Ela deita e sonha com aves de rapina. Sua mente mergulhada em mistérios.
Seu coração, um labirinto, desafia meus instintos. Difícil dali fugir.
Ela tem graça sem rir e não se encaixa num papel de rosto sério. Ela se reinventa.
Está presa em uma peça de um milhão de atos. Mas não tem medo. Busca a essência.
Assisto os patos hipnotizados cruzando o lago.
Tenho visitado todos os sonhos impossíveis atrás da luz dos teus olhos.
Ela caiu em alguma madrugada. Uma lágrima cortou o céu ao meio. Eu a vi.
Suas palavras desapareceram. Seus pensamentos aflitos se perderam fora do eixo.
Ela cedeu, permitiu nossas almas conversarem como velhas desconhecidas.
- Pra onde iremos quando todos os devaneios forem esquecidos? Saber, ela quis.
Assisto os patos abandonados cruzando o lago.
Contornei em silêncio teus rascunhos nas pedras. Te esperei no escuro.
Ela levanta. Veste-se. Esquece todos os pesadelos na pia do banheiro.
Olha em volta, não vê absolutamente nada. Não há mais horas ou agonias.
Desce as escadas. Desliza os cabelos com as mãos. Não escuta as súplicas alheias.
Ela está em todo lugar. Pertence ao mundo de todos. Ela molda os cenários. Me leva num intervalo qualquer de seu espetáculo. Roubando o meu tempo. Desconstruindo meus versos e arrancando meus pensamentos. Ela voa. Sem frases, me chama. Desafia os esconderijos do meu céu em suas insanas fantasias. Eu desejo alcançar sua voz em alguma curva do horizonte. Minha sina.
Assisto os patos encantados cruzando o lago.
Te espero como uma estátua de gelo paralisada no espaço, pois não tenho mais pra onde fugir..Em meus olhos estão as marcas deixadas pelas tuas palavras em mim...