domingo, 24 de junho de 2012

Isso é o que chamam de amor?

Existe algum tipo de ligação química que possa conectar dois corpos separados? Essa tal reação ocorre em ambas às partes    ou uma é resultado da outra? 
Isso é o que chamam de amor?


    
    Alguns minutos antes de tomar o último gole de vinho que resta na taça e abrir a porta para jamais olhar para trás. Tudo que desejei foi apenas ficar aqui e sentar do teu lado. Mas notei os primeiros raios alaranjados de final do dia penetrando pelos cantos da casa, entre as cortinas na janela da sala. Existem possibilidades caindo em pancadas no teu telhado falso de cristal e eu sei que não estou em nenhuma delas. Não fará diferença alguma se não me enxergar mais no final da tarde, você verá. Estamos todos fora do controle e, ainda pior, fingindo cegamente mantê-lo sobre as mãos. Pode-se manter a direção de nossas ações, mas não do que se sente lá dentro do quarto vazio no fundo do peito. Ações não provam palavras e palavras não provam sentimentos. Logo, estamos todos fora de controle e as estradas a cada dia mais estreitas e escondidas. Há um mundo de respostas bem abaixo do seu nariz e quando realmente conseguir baixar um pouco esse seu queixo erguido, poderá observar cada uma delas. Mas não hoje. Estive pensando em sair da cidade e me perder naquele horizonte onde o sol sangra a cada anoitecer durante uma vida inteira. Todas as manhãs eu demoro mais e mais minutos em frente ao espelho embaçado do banheiro, tentando me reconhecer entre as marcas no rosto e o cansaço que não são meus. Esse corpo que habito vai me escapando das mãos, aos poucos me afasto dessa existência de mim que você conhece. E quando retorno ao espelho embaçado, já não me basto mais. Descobri que guardo poucas coisas para chamar de minhas e que mesmo estas não me são realmente necessárias. Eu costumava teimar em uma ânsia de ter sempre mais e jamais conseguir o bastante para viver feliz, continuando de maneira inútil as tentativas de alcançar a essência do inexistente. Pois bem, descobri que não sou feliz e as coisas que desejei possuir não mudaram meu estado de espírito. Eram ilusões plantadas na minha cabeça e refletidas em meus olhos por algum tipo de vírus que agora vejo em todos os lugares e contaminando todas as pessoas. Ilusões em vírus transmitidos pelo oxigênio, contaminando tudo pelo mundo. Até os medos que comentei contigo no outro dia, não sei mais se eram meus ou faziam parte dessa doença das ilusões e que foram mantidas para justificar minhas fraquezas. E, agora, realmente estou cansando de nunca precisar ser forte o bastante e manter esse poço de ilusões dentro de mim. Minha mente está enferrujada pela falta de uso, pois tudo parece tão certo e constante e longe de mim. O mundo não pode servir apenas para girar em torno de si na monotonia eterna do universo. Não somos tão inexpressivos assim. Sabe que o real está cada vez mais distante do imaterial. Os objetos espalhados pelo chão da nossa vida que não significam mais nada e que antes eram tudo que tínhamos. Você pisou nos meus sonhos essa manhã, quando levantou para preparar o café e sequer notou que estavam ali. Não se preocupe, não estou atrás de desculpas. Não mais. Todos os conceitos são leves demais e quando começarem a flutuar no ar pesado de inverno, em todos os céus abertos, por cima de todos os oceanos, você entenderá o que digo. E vai permanecer sem ação com os braços cruzados sobre esse mesmo sofá, assistindo na TV os mesmos comerciais enfeitados de mentiras coloridas. Eu te disse que há um oceano que divide nossos passos e está afastando meu espírito de junto do teu. Você não estava prestando atenção e continuou olhando para o outro lado. Me cobri com silêncio e fechei os olhos, era tarde demais, o vírus estava em você. Eu estava só. Apenas sabia que em algum instante perdido entre todas as ruínas e escombros dessa história que foi gravada em pedras e dor, sentiríamos algum tipo de reação química percorrer o corpo por inteiro quando nossos olhos se encontrassem de novo, como agora. Isso é o que chamam de amor? Eu não sei mais. Irei imaginar mil vezes que se ao menos tentasse pegar sua mão e te tirasse desse lugar iria bastar para te salvar do mundo escuro que te engole, te cega, te contamina, mas não poderia. Então isso tudo que existe entre nós, apenas existe e nada mais. Posso imaginar que esse tal amor se tornou a minha cura para crer que ainda existo acima de todas as respostas que não encontro ou não passa de doses do mais puro veneno escorrendo dentro das minhas veias e artérias quando meus olhos cruzam pelos teus. Não posso evitar essa essência e nem que eu tanto quisesse ou me esforçasse seria o bastante para conter o seu gosto amargo quase doce que permanece na minha boca por horas. Ondas de ignorância circulando pelo ar abafado do final de tarde me empurram para as margens das dúvidas, insegurança, medo quando largo a taça vazia sobre a mesa de centro da sala. Não me permito sentir mais nada e um oceano se abre e vai crescendo incessante entre nós. Quando a água alcança lentamente o meu quarto vazio no peito é que tomo consciência de que nunca soube das dimensões de nossos sonhos e das grades que estão aprisionando nossas almas enquanto por tanto tempo acreditávamos ser livres para voar no estranho universo emocional do amar. E cada vez que encontro, guardada bem nas profundezas da minha mente, a imagem do teu rosto, nessa hora eu posso até mesmo tocá-lo. Mas eu não toco. Sabemos que teu sangue está contaminado com o vírus das ilusões e que minhas palavras não te afetam de nenhuma forma. Eu não estou mais em você como você está em mim. Isso é o que chamam de amor? Descubro que você não irá me impedir e abro a porta devagar. O amor não é o bastante. Saio da sua vida sem deixar muitas marcas e você se afasta da minha sem muitas palavras. Olho para o horizonte onde o sol sangra em cada entardecer e sigo em frente.