segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Últimos versos noturnos

Hoje não. Não irei colocar aquele velho sorriso de plástico no rosto e deixarei em cima da mesa a caixa repleta de frases prontas e contos medíocres que estavam no meu bolso já a tempo demais. Sem explicações. Sem lamentações. Alucinações correndo soltas e lívidas ao meu redor. Permito a brisa noturna percorrer meu corpo vazio entre os carros alucinados. Ergui a cabeça e os erros pesados que afundavam em meus ombros caíram na rua cheia de pedras e danos. Não abrirei os olhos, me agarrarei no último sonho que me resta. Não quero ver as luzes apáticas da cidade. Dançarei solitária de braços abertos, entre os corpos, no meio da pista. Sem resistência. Sem impossibilidades. Sem impedimentos. Deixe-me viver. Viajarei dentro das minhas próprias fantasias coloridas e brilhantes. Dei minha razão de presente a um estranho lá fora, enquanto me equilibrava nos telhados observando o céu da noite mais de perto. Nem se preocupe comigo se amanhecer sentada na soleira da tua porta. Logo o vento me busca e me arrasta pra qualquer abismo longe daqui. Nem se ocupe com meus sentimentos chovendo em pedaços na tua janela. É tão vago e distante meu pensamento agora que desaprendi a senti-los. Corri de mim mesma. Fugi do espanto, do incerto, do medo. Mas me apunhalou no peito o imenso vazio quando meu olho procurou e encontrou o teu. Meu coração pulsando rápido como passos de coelho assustado. Tudo congelado no espaço entre nós. De algum modo, te sinto e guardo. Ninguém ouviu e as vozes estão se calando em mim. Ela se demora a querer partir. E digo: - Hoje não..

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Ruínas

Veja só, admito que já fazem tantos dias que perdi entre as almofadas do sofá, o controle de meus sentidos e tenho assistido paralisada nas cenas repetidas, preto-e-branco e mudas o escorrer dos canais vagos de minhas fantasias. Tédio profundo, canso, fujo. Tão longe, passei a última madrugada observando, hipnotizada, ruínas incógnitas que se escondem logo após as montanhas geométricas. Sentada à beira do fogo, junto aos fantasmas, dialogando nostalgias. E a cada encontro violento e letal do movimento das ondas com as rochas, me sentia mais distante nas espumas, perdendo aos poucos aquilo que nem mesmo conhecia de mim mesma. A melancolia surgiu como fumaça cinzenta rindo em minha direção. Eu a vi no topo dos fragmentos de contos enterrados vivos e tão infinitos. Desprovidos de qualquer razão, mas sem ninguém parar um instante pra ouvir as cinzas. Apenas o ruído estridente das pedras e os gritos aflitos do vento ecoando alto em meus ouvidos e logo fugindo num deslizar entre as árvores em chamas. Em mesma melodia da chuva fina de acordes lúdicos em uma noite púrpura de primavera. Mas as estrelas estão mortas e não podem mais sentir nada. Eu sabia e gemi num sussurro quase inefável por elas e pelas marcas em meus punhos latejando os atropelamentos de fúria súbita provocados por velhas alucinações e sonhos destruídos. Continuo, seguindo ainda mais distante. Atirei o copo vazio contra os restos de parede em pé, para permitir a fusão das cores penetrando nos cacos de milhões de tons distintos espalhados pelo chão, moldando faróis no mar de cosmos. Em meio a este manto psicodélico, agarrei firme a única certeza sobrevivente em mim: - Há dias difíceis até de respirar, mas eles nascem, ferem e morrem. Fim. Então, nas curvas simétricas do horizonte, tão de repente e sem choro algum, o sol abre devagar os olhos. E a luz vai beijando lentamente as ruínas..